A REALIDADE DAS CICLISTAS PROFISSIONAIS: DOS BAIXOS SALÁRIOS A TER QUE BANCAR SUAS DESPESAS PARA CORRER

Pesquisa da The Cyclists’ Alliance, entidade criada para cuidar dos interesses das ciclistas, trouxe dados sobre o ambiente desportivo feminino, além da grande disparidade salarial o ano foi marcado pela redução de salários em virtude da Covid-19 e para piorar muita ciclista tem que pagar, entre outras coisas,  por serviços mecânicos e médicos. Questões econômicas e começar uma família são fundamentais para determinar a continuidade no pelotão

Pesquisa da The Cyclists’Aliance trouxe dados sobre a realidade do pelotão feminino
foto: A.S.O.-Thomas Maheux

Desde a sua criação em 2017, a The Cyclists’ Aliance – Aliança das Ciclistas, ou simplesmente TCA que surgiu para cuidar dos interesses das ciclistas profissionais – exclusivamente das mulheres e para as mulheres que também surgiu como uma resposta à falta de comprometimento da entidade de classe – o sindicato – que cuida dos interesses dos ciclistas a Cyclistes Professionnels Associés (CPA – Associação dos Ciclistas Profissionais) para com as mulheres, ao declarar que não consideravam o ciclismo feminino como profissional, vem atuando como intermediária e orientadora na relação ciclistas e equipes procurando dar melhores condições de trabalho à mulher ciclista profissional.

Para trazer a público a realidade das ciclistas, seus problemas e necessidades, o sindicato independente realiza anualmente uma pesquisa que serve também como base para ações futuras da TCA, esta é quarta edição.

Em um ano atípico, fortemente impactado pela pandemia da Covid-19 a pesquisa foi aplicada entre os meses de maio e junho e aberta a todas as modalidades do ciclismo e aos níveis Sub-23, equipes Continentais e do pelotão WWT – Women’s World Tour. Segundo a entidade, pouco mais de 100 ciclistas responderam a pesquisa, desse número cerca de 10% era de mountain bikers.

Muitas ciclistas tem que ‘bancar’ seus equipamentos e até serviços de médicos e mecânicos – foto: Antonio Baixauli

Ao ser comparado com anos anteriores, a pesquisa aponta um crescimento das ciclistas que buscam aconselhamento jurídico junto à entidade para assinar seu contrato de trabalho, o número cresceu de 16% em 2019 para 23% em 2020, é uma evolução, mas cabe ressaltar que ainda 77% das ciclistas ‘correm por conta’ ou seja assinam seu contrato sem aconselhamento ou em alguns casos utilizam advogado próprio ou um agente.  

Outra sensível melhoria, com queda de 8% em relação ao ano passado,  é referente ao reembolso de despesas para a equipe. Pode parecer surreal, mas muitas delas tem que levam o nome de uma equipe e a representam na estrada tem que pagar por equipamento, serviços de mecânicos, despesas médicas e até custos de viagem. Desta forma em 2020, 43% das ciclistas responderam que por algum motivo tiveram de reembolsar sua equipe.

O ano atípico aprofundou ainda mais a disparidade salarial entre as mais bem pagas e as mais mal pagas. Tem muita ciclista em equipe profissional correndo de graça – para se garantir em atividade. Esse número saltou de 17% em 2019 para 25% em 2020. 

Como a UCI não fixa um salário mínimo para as equipes Continentais há um 32% das ciclistas que ganham menos do que o salário mínimo bruto de 15.000 euros, mas o universo pode ser ainda maior levando-se em conta o volume de respostas, além disso é reconhecido que muitas ciclistas tem outra profissão para conseguir se sustentar, fazendo jornada dupla ou tripla – afinal muitas além dos treinos tem suas profissões e famílias para cuidar.

No pelotão WWT, segundo a pesquisa 25,5% tem salários acima dos 30 mil euros anuais
foto: A.S.O.-Thomas Maheux

O distanciamento salarial se acentua no  pelotão do WWT – Women’s World Tour – que tem um mínimo anual fixado em 15.000  mil euros para as equipes com contrato direto com a equipe além de benefícios sociais e de saúde e de 24.600 para ciclistas com contrato de trabalhador autônomo, tudo isso seguindo diretrizes implantadas pela UCI – União Ciclista Internacional, porém apenas 8 equipes atendem os requisitos para ser classificada como WWT, o objetivo da UCI é elevar esse número a 15 nos próximos 3 anos

Dentro da Elite há um grupo de 25,5% das ciclistas que tem ganhos anuais que superam os 30.000 euros anuais, a pesquisa não aponta, mas sabe-se que há um seleto grupo com 10 a 15 grandes ciclistas com salários que podem oscilar entre os 70.000 e 150.000 euros. Porém a realidade de 45% do pelotão feminino é outra, recebendo salários abaixo dos 10.000 euros anuais.
O impacto da Covid-19 também foi sentida no bolso, 29% das ciclistas tiveram uma redução salarial ou simplesmente deixaram de receber . O momento leva a pensar, refletir sobre o futuro e a capacidade de garantir um bom contrato que traga estabilidade econômica na próxima temporada, e essa é a preocupação de 76% das ciclistas.

Mas não só questões de ordem financeira revelou a pesquisa. Há outros problemas, de ordem administrativo, ligados a políticas de imigração apontado por ciclistas de países de fora da Comunidade Europeia e das exigências para obtenção de Vistos de Entrada, segundo a TCA isso pode contribuir ou ser um entrave para a diversidade de nações dentro do pelotão feminino.

Questões econômicas são decisivas para uma ciclista se manter ou não como profissional
foto: Antonio Baixauli

Outra dificuldade apontada pelas ciclistas é dirigida à sua evolução desportiva: como crescer saindo das categorias de base, fazendo a transição de juniores ao profissionalismo. Uma questão que é vital até para a própria subsistência das mulheres no esporte de alto rendimento.

Ao abordarem os protocolos da Covid-19, em uma segunda pesquisa, as ciclistas apontaram algumas incorreções ou problemas para a manutenção da ‘bolha’ para manter o isolamento das ciclistas.  Mas neste ponto, há dados que refletem a falta de estrutura de algumas equipes onde 30% das ciclistas apontaram não ter médico da equipe ou acesso direto a esse médico; 25% das ciclistas tiveram que providenciar seus próprios testes para Covid-19 e o que é pior 10% pagaram de seu próprio bolso pelos testes.

Mas o informe traz algo positivo e mostra um pensamento além das competições Sobre o futuro após encerrarem suas carreiras esportivas, 46% das ciclistas responderam que estão se preparando e para isso cursando universidades.

E o que leva uma ciclista a considerar a aposentadoria? Para 72% das entrevistadas são as questões econômicas;  56% para começar uma família;  42% indicou que outras oportunidades de carreira fora do ciclismo; 32% para passar mais tempo com o parceiro, família ou amigos; 22% para buscar opções de estudo e para 16% simplesmente porque o ciclismo competitivo é extremamente estressante.

Por outro lado há vários motivos que levariam uma ciclista a prolongar sua carreira desportiva. A chave disso para a grande maioria, 87% delas , está em receber mais dinheiro para correr. Para 46% das ciclistas ter a possibilidade ou mesmo uma política das equipes para que mesmo mantendo-se no esporte elas possam começar uma família ou ter filhos. Ainda falando da vida profissional,  ter acesso a programas de desenvolvimento de uma carreira seriam um motivo para que 44% das ciclistas se mantivessem no esporte, assim como ter acesso a financiamento para os estudos. E até o acesso a serviços médicos ou planos de saúde são motivo para 22% prolongar sua carreira.    

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