ALEMANHA TESTA CICLOVIA COM PLACAS FOTOVOLTAICAS

Pavimento de placas fotovoltaicas transforma ciclovia com mais de três décadas de uso em fonte geradora de energia limpa. O novo piso que está sendo testado em Erftstadt, cidade no oeste da Alemanha, ainda absorve ruídos,  faz a neve sobre a via derreter e é antiderrapante

As placas que captam energia solar tem 10 por 10 centímetros,  são interligadas elétrica e mecanicamente uma às outras, formando uma espécie de tapete flexível

Os testes com o novo piso da ciclovia do bairro de Liblar, em Erftstadt, cidade a cerca de 30 quilômetros a sudoeste de Colônia, começaram em novembro de 2018. Trata-se de uma ciclovia que teve seu piso coberto com pastilhas solares multifuncionais, placas fotovoltaicas construídas em vidro laminado nodoso que formam uma cobertura que se assemelha a um tapete.

“Esta é uma ciclovia de 35 anos, com desníveis e raízes de árvores”, diz o inventor do tapete solar e fundador da startup Solmove, o engenheiro Donald Müller-Judex. “Nós a cobrimos do jeito que estava, colando células fotovoltaicas sobre ela.” Utilizar a estrutura da ciclovia já existente mostrou-se uma das vantagens da nova tecnologia, pois a construção de uma nova ciclovia encareceria o projeto, com esse sistema é possível adaptá-lo a estruturas já existentes

As pastilhas, são quadrados de  10 por 10 centímetros, interligadas elétrica e mecanicamente uma às outras, formando uma espécie de tapete flexível.  Uma camada de borracha absorve o som e conecta o tapete com a parte inferior. Sensores instalados no carpete solar podem medir fluxo de tráfego em estradas maiores e, assim, ajudar a otimizar os circuitos de semáforos ou avisar os veículos autônomos contra o deslizamento de gelo. Ao contrário das estradas solares existentes – uma das primeiras foi aberta na França em 2016 – o carpete com módulos solares simplesmente adere às superfícies já existentes e não precisa ser fresado.

A ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze pedala com o inventor das placas, Müller-Judex e com o prefeito Vlolker Erner – foto: divulgação

As pequenas elevações das placas fotovoltaicas são cobertas com  corindo, um mineral a base de óxido de alumínio, particularmente resistente à abrasão, ficando apenas atrás do diamante na escala de dureza. “Uma fábrica de vidros especiais na Floresta da Baviera , produz  as placas. No laboratório as placas de vidro suportaram o peso de um caminhão e meio, agora começaram os testes na prática”, disse Müller-Judex

O pesquisador e inventor do tapete, Müller-Judex teve a ideia há alguns anos, quando procurava espaços abertos para a instalação de sistemas solares na região do Allgäu, quando se deu conta que todos os telhados com características apropriadas já estavam ocupados, porém, na cidade ainda estavam as  ruas pouco movimentadas iluminadas pelo sol. Segundo ele, somente na Alemanha há 1,4 bilhão de metros quadrados de ciclovias disponíveis para a produção de energia, situadas em locais de pouca sombra. Essa  áreas poderiam ter, assim, dupla utilização.

O trecho de testes em Erftstadt tem apenas 90 metros de extensão

Nos módulos horizontais como é o caso dos tapetes aplicados às ciclovias, a radiação solar não é ideal para produção fotovoltaica. “A estrada solar gera menos eletricidade do que o modo tradicional, sobre o telhado”, explica o pesquisador Lukas Renken, da Universidade Técnica da Renânia do Norte-Vestfália (RWTH), em Aachen. O instituto onde ele pesquisa testou em laboratório o revestimento criado pela Solmove, assim como tecnologias semelhantes, como a da holandesa SolaRoads.

Em diversos países da Europa estão adiantadas as pesquisas e a instalação de usinas de geração de energia em rodovias,  em geral os projetos diferem na construção e na disposição dos painéis.

Renken vê benefícios sobretudo na multifuncionalidade da nova pavimentação: os ladrilhos permitem a associação com circuitos de aquecimento para o inverno, iluminação LED e também de circuitos de indução para o carregamento de veículos elétricos, ou até mesmo de sensores para monitorar e controlar o tráfego – para fazer funcionar, por exemplo, um semáforo.

Com  a ciclovia solar, administração da cidade não precisa gastar com o serviço de limpeza de neve e gelo durante o inverno. A eletricidade produzida por ela mesma torna a pista autodescongelante.  O restante da energia gerada  é distribuída na rede e pode ser consumida pelos moradores locais. Müller-Judex avalia que poderão ser gerados cerca de 16 mil quilowatt-hora (kWh) de eletricidade por ano, mais ou menos o consumo anual de quatro residências na  Alemanha.

No laboratório, técnicos e engenheiros da RWTH fazem testes de resistência nas placas

“Nós vamos, nos próximos meses, olhar para o monitor e comparar os rendimentos com a produção fotovoltaica normal, vai demorar dois a três invernos só para testarmos a calefação.”  Somente após um longo período de testes será possível saber sobre a resistência do sistema à sujeira, ao trânsito, e nos invernos mais rigorosos à geada.

A superfície das placas fotovoltaicas é autolimpante graças à estrutura de nódoas, que leva a sujeira acumulada nas junções e esta em tese seria lavada pelas chuvas, porém não há certeza se isto realmente funcionará no dia a dia. “Há certas coisas que não conseguimos testar em laboratório” ,  pondera  Renken.

O primeiro trecho de testes da ciclovia tem  90 metros de extensão e cerca de 200 metros quadrados, e custou cerca de 800 mil euros sendo financiada pela Iniciativa Nacional para Proteção do Clima, do governo alemão. A ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, se disse satisfeita por não precisar ir a Amsterdã ou Copenhague – duas das cidades mais famosas do mundo pelo amplo uso de bicicletas para o transporte urbano – para conhecer um exemplo de inovação ambiental.

“A cidade quer mostrar com a pista de testes na ciclovia que cada município pode produzir eletricidade limpa sem perturbar a paisagem”, disse o prefeito de Erftstadt, Volker Erner.

O pesquisador Müller-Judex reforçou a necessidade de que o governo alemão dê maior apoio para startups de tecnologia limpa. “O que recebemos de incentivo é cerca de um décimo do disponibilizado na França ou na China”, afirma, lembrando que, nesses países, estradas solares são construídas em grande estilo. Até 2020, a startup Wattway instalará na França mil quilômetros de rodovias para produção de energia solar. Para financiar o projeto, o governo aumentou o imposto sobre a gasolina.

A administração de Erftstadt também está fazendo muito para reformar sua malha de ciclovias, assumindo cerca de 10% dos custos. “Temos muitos caminhos históricos e antigas linhas ferroviárias para escoamento de minério e investimos muito dinheiro nelas”, diz o prefeito Volker Erner. “Há três anos ninguém teria pensado que tal coisa seria possível.” A ciclovia solar também é um projeto que serve de contraponto à exploração de minério de carvão nas proximidades.

Críticos do projeto dizem que, com o mesmo dinheiro, poderiam ser construídas ou renovadas inúmeras ciclovias convencionais. Já antes da inauguração, vândalos quebraram algumas pastilhas de vidro. Mas é claro que a pista de teste é muito mais cara do que uma rota solar produzida em grande escala.

Müller-Judex avalia que, com produção em série, o custo será de 250 euros por metro quadrado. Com vida útil estimada em 25 anos, o retorno desse investimento se daria em um período de 12 a 14 anos. Depois, o pavimento geraria eletricidade por mais dez anos quando o município poderia começar a lucrar dinheiro com a geração de energia, desta forma, a longo prazo, a ciclovia solar deverá  ser mais barata que a normal, que só tem custos.

A demanda por pisos que geram energia é alta. Na China, a cidade de Pequim, que sediará os Jogos Olímpicos de Inverno, em 2022, está preparando um percurso de 190 quilômetros para a circulação de ônibus e que se carregarão de forma indutiva.  

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