MORRE UM DOS JORNALISTAS MAIS IMPORTANTES CICLISMO ITALIANO: GIANNI MURA

O pelotão está confinado e agora também de luto. Um dos mais importantes jornalistas do ciclismo e do esporte italiano, Gianni Mura, faleceu neste sábado (21/03)  pela manhã no hospital de Senigallia, em Ancona, onde estava internado desde segunda –feira quando passou mal  na rua, vítima de um ataque cardíaco.

Gianni Mura – jornalista e escritor italiano cobriu seu primeiro Tour de France em 1967

Mura nasceu em Milão, em 1945 e foi um dos mais destacados jornalistas do jornalismo esportivo italiano, e por que não dizer mundial,  nas ultimas décadas. Um mestre do jornalismo transitando com ótimos artigos, editoriais e colunas por suas paixões: o ciclismo, futebol e também a boa comida.

Manteve-se fiel, até poucos anos atrás a uma velha máquina portátil de escrever – uma Olivetti Lettera 32 – e sobre sua velha máquina em durante o Tour de France ao ser indagado sobre sua ferramenta de trabalho ele comentou: “Às vezes, repórteres japoneses vêm até mim perguntando se não tenho medo de incomodar as pessoas com o som da minha máquina de escrever”, e rebateu prontamente: “Eu respondo que é o silêncio deles que me incomoda”. Até aquele ano , Mura terminava sua matéria e a ligava para a redação, e como se fazia muitos anos atrás ditava a matéria, e se alguém o questionasse do porque ele não utilizava um notebook, ele emendava com uma resposta direta: “Escute, eu não sou um carro pequeno que você pode estacionar em qualquer lugar. Eu sou um caminhão velho, com seus hábitos. E minha carreira me valeu esse privilégio”. É bem verdade que um ano depois, em 2015, ele já foi obrigado a viajar e acompanhar o Tour com um notebook, pois o pessoal que recebia o telefonema e digitava os seus textos no La Reppublica foi aposentado.

Choque de gerações e tecnologia: Mura no Tour de 2014 com sua velha Olivetti Lettera 32 – foto: Jacky Naegelen / Reuters

Mura era do tempo em que os jornalistas de ciclismo estavam dentro do pelotão, seguindo as fugas, vendo de perto. “Também estávamos muito mais próximos dos ciclistas. À noite, jantávamos com eles”, disse em uma outra reportagem.   “Entrevistávamos os ciclistas em seus quartos. Certa vez, entrevistei Raymond Poulidor enquanto ele estava em seu banho, onde colocava um pouco de vinagre”, segundo ele tudo isso passou a mudar nos anos 90 quando entramos na era da EPO e das autotransfusões. “O acesso aos hotéis era proibido aos repórteres, por causa do que estava acontecendo atrás das portas”, revelou o jornalista italiano .

Ele tinha 74 anos e até o final da sua vida produziu deliciosos artigos, editoriais e colunas, cultivando essa paixão infinita pelo ciclismo, futebol e até a boa comida e nesses artigos muitas vezes dividiu a autoria com sua mulher Paola.

Mura começou trabalhando na Gazzetta dello Sport, em 1964, depois passou a ser colaborador do Corriere d’Informazione e  da revista Epoca. Em 1976 se transferiu para o La Reppublica, onde escrevia a coluna publicada aos domingos Sete dias de Maus Pensamentos e a cada Tour de France escrevia crônicas fantásticas e que em 2007 inspiraram a escrever o premiado romance de ficção Giallo su giallo .

Mura também participou do documentário, produzido em 2013 – L’Ultimo quilometro – Vencer, perder, lutar até o último quilômetro – onde em uma longa conversa ele ajuda o espectador a descobrir o que é o ciclismo, o que ele era e o que se tornou, pincelando com momentos épicos  – sofrimento, paixão e também apontando para o doping.  Mura ia além da corrida de bicicletas, sua leitura da corrida, das vilas e cidades por onde passava o Tour buscavam o lado humano, e isso fazia diferença

Segundo o jornal La Reppublica Na sexta-feira à noite ligou para a redação: “Sou Gianni, queria avisar que amanhã não vou escrever a minha coluna. Não trouxeram para o hospital o meu notebook e nem ao menos os jornais. . Desculpem-me”, uma chamada em tom de despedida, que avisava seus colegas de redação de que alguém teria de cobrir o seus espaço no próximo jornal de domingo

Mundiais de várias modalidades, Copas do Mundo de Futebol , acompanhar a Azzurra, Olimpíadas, Tour, Giro com histórias fantásticas. Em 2016 durante uma longa entrevista contando sua carreira comentou, comparando um campeonato de futebol que estava para começar e a principal prova do ciclismo, a sua amada volta francesa – “Para  mim o Europeu de futebol é um trabalho, Tour de France é como uma espécie de férias”, mas Mura foi além, fumante fato que nunca negou, pois quem o acompanhava sabia que até poucos anos atrás era capaz de encher um cinzeiro com bitucas durante uma etapa, disse que em mais de uma ocasião deu cigarros a vários jogadores de futebol que também fumavam, porém não podiam tornar isso público, principalmente durante a concentração de uma seleção, e ao ser questionado se isso acontecia só no futebol, com toda sinceridade foi direto: “No Giro passei secretamente os cigarros para a Merckx”. Com os anos foi obrigado a deixar de fumar, a saúde cobrou seu preço, e mesmo no Tour onde dedicava-se a descobrir vinhos e bons restaurantes, o bom garfo também viu-se obrigado a ser mais comedido, e acompanhar um ciclismo que particularmente já não lhe despertava a mesma paixão com os radinhos e a forma atual de correr e o distanciamento cada vez maior de ciclistas que se trancam em motorhomes e diretores esportivos com pouca história para contar.

Livros de Gianni Mura – que abordam diretamente o ciclismo

Giallo su giallo, collana I Narratori, Feltrinelli, 2007  (ficção)

La fiamma rossa. Storie e strade dei miei tour (A chama vermelha. Histórias e estradas dos meus Tour – compilação de artigos , Minimum Fax, 2008. 

Entrevista no Documentário: L’ultimo quilometro

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